No ultimo texto, prometi que iria falar um pouco da nossa Praia Central, a Praia Central de Marataízes. Porém, lembrei-me de uma história um pouco mais interessante e resolvi contar de uma vez. Vamos à história, não necessariamente real, mas ficcionalmente verdadeira…
Quem viaja de carro nos tempos atuais não tem muita noção de como era uma viagem longa (de Belo Horizonte para o litoral sul capixaba, por exemplo) no final dos anos 1980. Uma verdadeira epopeia. Camões ficaria com inveja…
Quem saía de Belo Horizonte rumo ao litoral capixaba, naqueles tempos, tinha duas opções: passar pela já chamada Rodovia da Morte ou seguir rumo à cidade de Ouro Preto. As duas opções tinham características semelhantes: muitas curvas, muita neblina. A diferença é que a segunda rodovia tinha menos carros e menos caminhões. Mas as duas traziam lindas paisagens e grandes emoções.
Vamos embarcar em um Gol 1981? Vamos sair de Belo Horizonte no ano de 1982? Que tal colocarmos cinco pessoas nesse carro: dois adultos e três crianças? E as malas? Umas cinco malas maiores e uma porção de sacolas, bolsas, vasilhas e potinhos. Podemos colocar alguns travesseiros? Uns cinco: um para cada? Um cobertor para cada um? Afinal, o tempo na praia, mesmo no verão, pode ser imprevisível… Vamos, então, percorrer pouco menos de 600 quilômetros nessa situação. Horário de saída? 4h da manhã, sentido Rodovia da Morte. O “spoiler” é que ninguém morreu nessa viagem. Pelo menos nesse carro.
Quem já teve 30 e poucos anos e alguma experiência de estrada deve ter vivido a experiência de querer sair rápido e chegar mais rápido ainda, principalmente quando a distância é muito grande entre o ponto de partida e o destino. Conter essa ansiedade pode ser uma atitude bastante complicada, mas necessária. O problema disso tudo é que esse motorista acha que pode dirigir por longas e longas horas sem fazer paradas para descanso. Há “algum” risco nesse tipo de atitude.
Mas vamos lá: saída às 4h da manhã; uma parada na metade do caminho; a chegada ao destino. Tudo isso em nove horas de viagem, para poder chegar, no máximo, às 14h, já computados os imprevistos. Roteiro perfeito. Não tem como dar errado. É a conta de chegar lá, trocar de roupa e pular no mar.
A viagem vai muito bem… até que uma das crianças do banco de trás resolve ter uma dor de barriga. Tudo bem. Ela aguenta. Dentro de umas duas horas a gente chega à parada programada. Mas ela está ficando com muita dor! Bobagem… é “charminho”. Ela aguenta. Será? Aguente firme, pobre criança. Não dá! Tem que dar! E começa a suar frio. E o motor de Fusca daquele Gol está dando tudo o que pode e o que não pode… Chegou a alcançar a marca dos 90 km/h na descida. Aguenta firme! Fica vendo a paisagem que você esquece da dor…
Aí a outra criança do banco de trás, talvez em uma ação orquestrada com a outra criança, resolve reclamar que está morrendo de sede. E a terceira reclama que está com fome. Eu sabia que estava esquecendo de alguma coisa! Não trouxe nenhuma garrafa com água e nem nada para comer. Puxa vida! A gente sempre esquece alguma coisa importante. Da próxima vez, vamos acabar esquecendo a cabeça…
Mas a viagem continua. O Gol fica se esforçando, fica dando tudo o que pode e o que não pode. O motor fica esgoelando, mas faz a sua parte e consegue chegar ao primeiro objetivo. A primeira parada: 8h da manhã, depois de muita reclamação, de muito choramingo das crianças, depois de muita birra, finalmente a cidade de Realeza, na metade do caminho, é vista. Finalmente, todo mundo poderá descer do carro e resolver os problemas que os estavam afligindo. E não é que, num passe de mágica, as vontades todas passaram? Não havia mais dor de barriga e nem sede, nem fome…
Então, tudo certo? Podemos voltar para o carro e seguir até o final? Não vamos mais parar até chegar lá. Se alguém quiser fazer alguma coisa no caminho, vai ter que ser no mato. Alguém lembrou de pegar água? Ainda bem que lembrei, não é? Ah! Se não fosse eu nesta casa… quer dizer… neste carro…
Um lanchinho rápido, mas tão rápido que não deu nem para enganar a fome. Vão todos ao banheiro, mas sem resultado. Nenhuma das crianças do banco de trás fez nada. Não quero ninguém reclamando de dor de barriga ou nada. Só vamos parar de novo lá na praia.
E o carro vai esgoelando, com tudo o que aquele motor de Fusca era capaz de fazer. Na verdade, esse Gol 1981 nada mais é do que o Fusca em novo formato, em nova casca. Claro que aumentou um pouquinho de espaço no porta-malas e no espaço interno para as pernas. No mais, nem um ar-condicionado para aliviar o calor, que, àquela altura, naquele verão, já estava bem forte. O problema, principalmente para as crianças do banco de trás, era não poder abrir a janela, afinal, estava chovendo lá fora… E a viagem não pode parar. Temos horário para chegar. Até que uma das crianças… resolveu ficar enjoada…
E como é que abre a janela? E como é que para o carro para a criança se aliviar e resolver o problema? A chuva estava bem forte, e o limpador de para-brisa do Gol/Fusca não estava conseguindo dar conta de tanta água. Até que a direção pesa e o motorista chega a uma hipótese: o pneu furou. Vamos ter que esperar a chuva passar para poder trocar. Que nada! O pneu reserva fica no compartimento do motor. Depois a gente se seca… A gente?! Como a gente? Eu não vou sair do carro, muito menos as crianças… só que não: a mais velha já estava na chuva, se esbaldando no acostamento. Como ela saiu e ninguém viu? Onde ela achou aquele sabonete?
E o pneu foi, finalmente, trocado. Depois de muita água caída. A viagem prosseguiu. E a criança do banco de trás que estava enjoada? Nem lembrava mais do que estava sentindo. Essa nossa psicologia é um espetáculo! Para a alegria de todos, exceto do motorista, o pneu deveria ser consertado. Precisaram parar em uma borracharia. Mais uns 40 minutos de espera até que tudo ficasse pronto. A sorte é que faltavam apenas duas horas até o destino. A previsão era, agora, de chegada às 15h, se nada mais desse errado.
As crianças estavam proibidas de passar mal. E não passaram. Elas também queriam chegar rápido ao mar. Afinal, não é todo dia que a gente que mora em Belo Horizonte pode ir à praia. Ainda mais nos anos 80 e com um “Fusca quadrado”… Era o que havia naqueles tempos. Nem celular com tudo o que uma criança de banco de trás precisa para sobreviver a uma viagem desse tamanho.
O melhor da festa, além da chegada, foi mesmo a chuva que tomaram… para desespero da mãe, que precisaria secar toda aquela roupa que se molhou na troca do pneu. Inclusive a dela própria, que não resistiu ao calor e se jogou naquele aguaceiro.
O final a gente já conhece: chegaram bem, embora varados de fome e cansados. Depois de jantarem, correram para o mar, até que o sono falou mais alto. Mas era apenas o primeiro dia…
Adorei! Nossa família também passou por isso várias vezes rsrs bons tempos, era muito difícil, cansativo, mas estávamos felizes!!!
Obrigada por me fazer lembrar dessas viagens!
Regina
24/06/2024 at 22:15
Adorei! Nossa família também passou por isso várias vezes rsrs bons tempos, era muito difícil, cansativo, mas estávamos felizes!!!
Obrigada por me fazer lembrar dessas viagens!